Reforma da Lei Rouanet proposta pelo governo federal provoca debate sobre o financiamento da cultura no País, tanto da parte do setor público quanto do privado
O Brasil volta a discutir a política de incentivo à cultura colocando o mecanismo de renúncia fiscal no centro dos debates. Tanto em nível federal quanto na maioria de Estados e municípios, a renúncia fiscal é o principal mecanismo que financia as diversas manifestações artísticas do País. O instrumento consiste em compensar com abatimento de imposto as empresas que patrocinam projetos culturais. Por trás do debate da renúncia, a grande questão que se estabelece é qual o melhor modelo de financiamento público à cultura.
Especialistas ouvidos afirmam que os debates travados em nível federal acabam servindo de baliza ao que se faz nos Estados e municípios. Primeiro porque o modelo de incentivo federal tem sido “copiado” por secretarias da área. Goiás, por exemplo, discute neste momento a reforma de sua lei estadual de fomento cultural (Lei Goyazes), cuja ineficiência na ajuda aos artistas levou a Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (Agepel) a montar grupos de trabalho para sugerir mudanças. Depois porque o próprio governo federal parece disposto, na reforma proposta, a partilhar os recursos com os governos regionais.
A ideia, colhida durante o período de consulta pública à proposta, é de dividir o bolo do Fundo Nacional de Cultura em cerca de 50% com Estados e municípios. A informação foi confirmada à imprensa pelo secretário executivo do Ministério da Cultura (MinC), Alfredo Manevy, mas em entrevista ao POPULAR, o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura da pasta, Roberto Nascimento, preferiu não endossá-la.
“Todas as propostas ainda estão sendo estudadas para integrar ou não o texto oficial que será enviado ao Congresso. Eu prefiro não me pronunciar a esse respeito ainda”, diz , acrescentando que o MinC não tem uma data exata para remeter a proposta da reforma da Lei Rouanet ao Congresso Nacional.
Alterações
Dentre os principais pontos da proposta do MinC estão a ampliação do teto de percentual de renúncia fiscal (confira na página 7 quadro com as propostas). Além dos atuais 30% e 100% possíveis de abatimento do valor do investimento, outras quatro faixas seriam estipuladas: 60%, 70%, 80% e 90%.
O argumento do MinC para a alteração é fazer com que aumente o percentual de dinheiro próprio das empresas nos projetos. “Hoje, de cada R$ 10 investido na cultura, apenas R$ 1 é de fato investimento privado. Isso é uma perversão do modelo que já dura 18 anos. Nunca fomos contra a renúncia fiscal, somos contra é o pseudofinanciamento privado, esse tipo de parceria não interessa ao governo. Achamos que a proporção de renúncia fiscal deve estar de acordo com o interesse público”, afirma Nascimento, em referência às críticas que a proposta tem sofrido.
Os principais ataques apontam para um suposto esvaziamento do mecanismo com a mudança proposta pelo ministério e o provável fim de um instrumento que hoje praticamente garante o giro de 80% do mercado nacional no setor. Para Leonardo Brant, a medida é “desestimuladora”.
“Na medida em que você dilui a possibilidade de renúncia em mais faixas, você está desestimulando o uso do mecanismo”, observa Brant, criador do Instituto Pensarte, entidade cultural sediada em São Paulo cuja vice-presidência é ocupada pelo artista plástico e produtor goiano PX Silveira.
Para Brant, a premissa da proposta do MinC está “equivocada” ao jogar a culpa dos desvios da lei na conta das empresas e protelar a tomada de decisão sobre as responsabilidades do Estado na questão. “Se há distorção, ela não advém das empresas e sim do Estado que não põe dinheiro dele na cultura. O ministro Weffort (Francisco Weffort, ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso) publicou uma vez uma cartilha dizendo que patrocínio cultural seria o melhor instrumento de comunicação de marca para as empresas e iria ativar um setor importante da sociedade. O atual ministro (Juca Ferreira) discorda disso, mas não consegue propor nada melhor no lugar”, ataca Brant, acrescentando, com ironia, que o orçamento da Fundação Nacional de Artes (Funarte) “agora vai se equiparar a um Itaú” (referência à suplementação orçamentária do órgão, que subiu de R$ 18,4 milhões para R$ 35 milhões, valor que o Itaú gasta por ano com seu instituto cultural).
A ironia remete a um pronunciamento do presidente Lula, que criticou o Itaú por financiar seu instituto com renúncia fiscal. O orçamento total do MinC para este ano é de pouco mais de R$ 1 bilhão, dos quais 68% (R$ 745,5 milhões) já foram executados.
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